quarta-feira, 18 de maio de 2011

Mulher-objeto: hipersensualização e objetificação das mulheres nos video games


Não é fácil ser uma mulher nos video games. Se ela não está fugindo de lagartos gigantes, está jogando vôlei em trajes desconfortavelmente reduzidos ou lutando de salto alto. Não há como negar: o entretenimento eletrônico está tomado de representações pouco nobres da feminilidade.
O tratamento misógino não é uma exclusividade dos video games; cinema, quadrinhos e literatura também contribuem para a “objetificação” e “hipersensualização” das mulheres. No entanto, os jogos parecem ter ido muito além, criando um estereótipo sexual próprio.
As mulheres aparecem como meras coadjuvantes e, se não são donzelas em perigo, assumem o tratamento padrão de erotização, ou seja, guerreiras voluptuosas seminuas. Longe de desagradar à maioria do público masculino que movimenta grande parte da indústria dos video games, porém, a perpetuação desse padrão de abuso da imagem feminina pode limitar o crescimento dos jogos como arte, além de reforçar uma visão deturpada do sexo feminino.

As mulheres nunca jogaram tantos quanto agora e parece que elas não estão nada contentes com a forma como são representadas nos jogos. Muito se discute sobre os temas abordados nos títulos, especialmente quando o assunto é violência e sexo, todavia, poucos realmente se preocupam em observar como os video games recriam (e reforçam) a visão chauvinista presente na sociedade contemporânea.
No final das contas, os jogos apenas espelham o weltanschauung (a percepção de mundo geral) — e isso vale tanto para a representação feminina como para os temas de violência e sexualidade. Ou seja, a barbárie e lubricidade dos jogos estão diretamente relacionadas àquelas presentes em nosso cotidiano — sendo que o mesmo se aplica à forma como as mulheres aparecem nesses games.
Uma questão de marketing
O problema começou bem cedo, quando Custer’s Revenge resolveu colocar um amontoado de pixels nus em um jogo no qual o objetivo era “estuprar” uma nativa americana — apenas um insulto não era suficiente. Para se livrar da controvérsia, os desenvolvedores tentaram explicar que não se tratava de uma nativa americana e que não era estupro, apenas uma fantasia sexual dos personagens (que desculpa esfarrapada)!
Na verdade, a controvérsia ficou mais por conta das questões raciais do que por causa do abuso sexual e da exploração feminina, afinal, como distinguir uma mulher e um homem nu em um jogo do Atari? Ambos os avatares parecem bonecos LEGO, sem qualquer definição sexual realmente expressiva.
Entretanto, com o avanço tecnológico os gráficos ficaram muito melhores e atualmente temos renderizações muito “realistas”, capazes de entregar imagens muito mais maduras, e é aqui que a discussão se torna mais intensa. Afinal, se podemos criar visuais realistas, por que os designers de jogos insistem em desenvolver personagens femininas de proporções irreais?
Simples, porque sexo vende! Não adianta florear, a verdade é que os desenvolvedores sabem que o público de seus jogos é formado em sua maioria por homens — homens jovens. Que menina quer jogar com uma Lara Croft seminua e de seios tão grandes que certamente prejudicariam seu equilíbrio? Essas protagonistas não estão lá para incentivar as mulheres, estão lá para agradar aos homens.
No entanto, o que realmente impressiona é como a mulher é transformada em um “objetivo” de jogo. Conduzir um relacionamento dentro da maioria dos jogos é basicamente uma missão secundária, com direito a troféu ou conquista. Um bom exemplo é o de Fable ou Mass Effect. Além de somar pontos a cada encontro, o jogador ainda recebe bonificações especiais caso ofereça presentes à mulher cortejada; e o objetivo final todo mundo sabe qual é.

Além disso, as mulheres não são apenas representadas de forma sensual, mas na maioria das vezes elas são hipersensualizadas. Seu olhar é lascivo, seus seios são agigantados (e impressionantemente arrebitados) e suas cinturas são absurdamente pequenas. Em suma, são verdadeiras mutações com proporções totalmente irreais que só servem para nutrir fantasiais sexuais púberes.
A imagem é tão distorcida e cria um ambiente tão absurdo que os próprios jogadores se valem desse contrassenso. Vários homens fazem personagens femininos em MMOs por saberem que qualquer mulher presente na sala receberá maior atenção dos outros jogadores e invariavelmente será favorecida, ganhando presentes e convites para participar de guildas e missões em grupo.
É disso que eu gosto!
Um estudo realizado por Edward Downs e Stacy Smith observou como a hipersensualização das mulheres ocorre nos jogos. A dupla de pesquisadores analisou os 60 títulos mais vendidos das principais plataformas da época (Xbox, PlayStation 2 e Nintendo GameCube) e constataram que, dos 489 personagens (de gênero identificável), apenas 70 eram mulheres e 419 eram homens. Além de sub-representadas, as mulheres também tinham maior tendência a aparecer parcialmente nuas, com formas desproporcionais ou com roupas reveladoras.
O mesmo já não pode ser dito dos homens nos video games. Personagens masculinos não sofrem com a mesma hipersensualização, apesar de também trazerem características irreais. Na verdade, o design segue a mesma “lei”, ou seja, mostra o que o homem quer ver. As mulheres são representadas como os homens querem que elas sejam, e os homens são mostrados como os jogadores gostariam de ser, mas sem a exposição desnecessária de seus atributos. Afinal de contas, que jogador gostaria de ver um avatar anabolizado de regata apertada e sunga?
É claro que as mulheres podem ser representadas de forma atraente, mas não precisam ser exageradamente sensuais. Algumas personagens quebram o molde e provam é possível sim, vide Alyx Vance (Half-Life 2) e Jade (Beyond Good & Evil) — que, além de realisticamente belas, também eram inteligentes.

Então temos a figura emblemática de Samus Aran, a protagonista da série Metroid. Aqui a história se complica um pouco, afinal no jogo inteiro ela está usando uma armadura e o jogador só descobre que estava controlando uma mulher no final, quando Samus remove o seu capacete.
Parece que os desenvolvedores estão percebendo que essa exposição desnecessária das mulheres nos video games pode agradar a uma grande faixa dos consumidores, mas não acrescenta em nada para o crescimento da indústria. Alguns designers já entenderam o recado e redesenharam suas protagonistas para que mostrassem linhas mais realistas e não menos atraentes.
Um bom exemplo é Faith de Mirror’s Edge. O visual urbano ainda deixa algumas partes do corpo da personagem à mostra, porém, suas proporções já são mais condizentes com a realidade. Recentemente tivemos o anúncio da nova aventura de Lara Croft e, para surpresa de todos, parece que a caçadora de tesouros passou por uma “mamoplastia redutora”. O mais interessante é que poucos realmente acharam o desenho de Lara Croft menos atraente do que o original, aquela com seios avantajados. 
Fonte da Imagem: Hobby Consolas
“Lôra Burra”
O pior mesmo é que, quando não estão inseridas no estereótipo da musa avassaladora, as mulheres são as proverbiais “princesinhas”, ou como diria o pensador: “Lôra burra”. Até mesmo personagens aparentemente despretensiosas ferem a imagem feminina.
As princesas Peach e Zelda não são hipersensualizadas e, para todos os efeitos, fazem parte da trama principal de suas respectivas franquias. Todavia, não passam que donzelas em perigo, inseridas na história apenas como dispositivos narrativos que motivam o verdadeiro herói.

Assim, estão sempre ameaçadas e à espera de seu príncipe encantado. É verdade que Zelda sempre se mostrou mais afirmativa do que Peach, mas mesmo assim ela ainda precisa ser resgatada por Link. Mas o cúmulo dessa prática foi evidenciada em Metroid: Other M — no qual Samus Arana, ícone feminista dos video games, deve obedecer cegamente a seu comandante, um homem.
A discussão vai longe e sabemos muito bem que não se restringe aos video games. Todavia, os jogos são uma forma de entretenimento diferenciada, muito mais “impactante” — especialmente por se tratar de uma mídia interativa. Além disso, os temas retratados nos video games são oriundos da nossa sociedade, são reflexos culturais daqueles que os desenvolvem, ou seja, se a imagem das mulheres aparece distorcida nos jogos, é porque também está distorcida na coletividade — o que certamente diz muito sobre nossa natureza.